sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O genial Zé Celso

Zé Celso chega ao Oficina para a entrevista já avisando: “Antes de tudo eu preciso fumar um baseado para ficar lúcido”.

Ficar lúcido?
Claro, o estado mais lúcido é o de transe... Não posso mais tomar alucinógeno, porque é vasoconstritor e eu sou cardíaco. Só posso fumar maconha e tomar vinho, porque ambos abrem as artérias. O momento de mais lucidez minha, de preparação, é queimar um baseado e tomar um banho. Aí vêm as melhores sacações. Só acordo depois que fumo um baseado e tomo guaraná em pó. Tum! Pluguei, tô no ar! Antes eu não estava, quando cheguei aqui.

Por quê?
Estava chapado, desligado...Esta santa erva, que chamam de Santa Maria, ela faz isso muito rapidamente. Você pode fazer isso simplesmente respirando, meditando. Mas a maconha acelera a lucidez...


Então não há antagonismo entre lucidez e drogas?
Não, esse é o conceito de lucidez da velha sociedade positivista, cartesiana, lógica, que acredita numa organização do mundo em torno de um princípio. Eu não acredito em nada disso. Não é o cartesiano, penso logo existo. É existo, logo estou, estou! Antigamente os antropólogos chegavam às tribos, viam tudo de fora e não entendiam nada. Quando passaram a tomar a ayahuasca, as poções mágicas, compreenderam um outro tipo de lucidez, que é a lucidez do pensamento selvagem, que o Lévi-Strauss disse que é a única coisa universal. E o teatro é um ritual arcaico. Eu me lembro nos anos 60 quando a gente começou a fazer as peças viajando de ácido, de cogumelo, a plateia toda embarcava! Dava pra perceber no ar as partículas lisérgicas.


O ser humano tem necessidade de perder o controle?
Eu não perco o controle. É como um computador... Eu fico muito mais, digamos, no meu estado pré-lógico, tenho uma lógica muito maior que no meu estado careta. Reflito mais, crio mais, organizo, faço as ligações das coisas. O descontrole é você permanecer careta. É perigoso! Você careta está atrás de uma máscara, está sendo manipulado, obrigado a ficar sujeito àquele papel que tem na sociedade. O que houve na cultura no Brasil até os anos 60, com exceção dos anos 20 do século passado, é que estava tudo programado. Nos anos 60 houve uma desprogramação. Houve de repente uma percepção do aqui e agora, em 1968... Em 67, quando da montagem de O rei da vela, pela primeira vez os conceitos de Oswald de Andrade viraram carne. Ao mesmo tempo no cinema acontecia o Terra em transe; nas artes plásticas o Hélio Oiticica tirava da parede o quadro, vestia no corpo e dançava; o Caetano compunha “Tropicália”; o Gil usava guitarra elétrica; o Plínio Marcos falava palavrões... Essa sincronia que houve em 67 no Brasil antecedeu em certo sentido o que viria a explodir em 68, na França. Quando fomos para lá com O rei da vela, já em 68, não tinha legendas em francês e o público ria e chorava do começo ao fim. Passava uma coisa que ninguém conseguia explicar. Uma sintonia com um retorno ao paganismo. Por que eu não posso ocupar isso? É meu! Que piração é essa de ficar esperando sei lá o quê? Nós tivemos uma sorte enorme de ter acontecido isso. Foi uma terra em transe que fez isso como lava de vulcão, pôs pra fora essa geração, que foi massacrada nos sanatórios, lobotomizada, cortaram a ligação com o cérebro arcaico, com o cérebro frontal, pra pessoa não sonhar, não viajar, ficar desligada.



O ex-presidente Fernando Henrique está levantando a questão da descriminalização da maconha...

Mas ele tem um lado extremamente absurdo, que é o de legalizar o usuário e punir o traficante. Se a maconha é legal, então é um comércio como outro qualquer. É uma coisa de Clinton, de fumou e não tragou... Eu acho pouco. Muita hipocrisia. Mas é legal ele falar, deixa ele falar! E pra ele é muito bom queimar uns baseados, está numa idade boa pra isso. Se os velhos fumassem, seriam tão mais felizes. Reativa a memória...


Reativa?! Todo mundo diz o contrário...
Imagina! Reativa a memória mais proustiana, o cérebro arcaico, pré-lógico, ela (des)civiliza. Porque a civilização recalca a memória, faz você selecionar a memória e fazer uma imagem de si extremamente construída. E a maconha desconstrói tudo. Você entra de novo em contato com o cosmos, em estado quase de inocência, de virgindade. E redescobre tudo. Eu quero propor uma lei que seria muito sensata. Quero propor não somente a descriminalização como a produção e a comercialização, e o imposto viria para a área cultural. Sou a favor do plantio de uma maconha de alta qualidade, sem noia, sem amônia, sem aquela carga toda que ela carrega hoje. Tudo supervisionado pelos ministérios da Saúde e da Cultura. A única coisa que estimula a violência é a proibição, só isso, mais nada! Se você proíbe sabonete, ai você vai ver, vai surgir criminoso atrás do sabonete.


E essa crise do crack, que vicia logo de cara...

Parece que a cura é a maconha, junto com outras coisas pode recuperar muito. E o teatro, a arte. Porque a arte é mais excitante que o crime. Talvez essas pessoas sejam as mais próximas da arte, as mais desesperadas, que não encontram mesmo lugar neste mundo. Você trabalhar com arte no sentido radical é uma coisa que pira. Precisamos colocar essas pessoas em espaços onde elas possam criar, colocar pra fora suas angústias. Que recebam cultura de vida. O que motiva você? O maior motivo de tudo é sempre o tesão. A gente tem uma tendência ao outro, uma tendência a procriar também... Sejam filhos carnais ou objetos, obras de arte, que são como filhos... Esse teatro, é como se eu fosse o bisavô dele. O padre Vieira disse uma frase muito bonita: “Só existimos quando fazemos. Quando não fazemos, somente duramos”.

Leia em voz alta, ouça o que lê, consequentemente, sinta